Sétima Legião é uma banda portuguesa formada em 1982 em Lisboa, por Rodrigo Leão (baixo), Nuno Cruz (bateria) e Pedro Oliveira (voz e guitarra). As canções “Sete Mares” e “Por Quem não Esqueci” são dois dos temas mais marcantes da banda e do pop-rock português.
Pedro Oliveira (voz e guitarra)
Rodrigo Leão (baixo e teclas)
Nuno Cruz (bateria, percussão)
Miguel Teixeira (viola d’arco)
Gabriel Gomes (acordeão)
lo Tato Marinho (gaitas de fole, flautas)
Paulo Abelho (percussão, samplers)
Francisco Ribeiro de Menezes (letras, coros)
1983 – Glória/Partida (Single)
1984 – A Um Deus Desconhecido (LP)
1987 – Mar D’Outubro (LP, incluindo o êxito Sete Mares e Noutro Lugar)
1989 – De Um Tempo Ausente (LP, com o êxito Por Quem Não Esqueci e Sem Ter Quem Amar)
1992 – O Fogo (CD)
1994 – Auto de Fé (CD. Resultado da participação no concerto “Portugal ao Vivo”, incluindo a participação dos Gaiteiros de Lisboa)
1999 – Sexto caixão
2000 – a morte da Sétima Legião (CD. Colectânea “Canções 1983-2000)
(bandas)
(in wikipedia)
Noticia Visão 2012
todo o aspirante a jornalista, quando abraça o ofício (que tantas vezes se confunde com sacerdócio) é-lhe recomendado que, no exercício da sua profissão, não se afaste de duas regras douradas: rigor e isenção. Este que vos escreve não foi exceção, e sempre que lhe pediram, respondeu à chamada.
Só que existe aquela coisa chamada vida, que, para citar o mais famoso hippie milionário, é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados a fazer outros planos. Ou, como neste caso, quando somos chamados a fazer certos trabalhos.
A Sétima Legião – que, em 2012, celebra 30 anos de existência – fez e faz parte da vida deste jornalista. Os que a formam formaram-me enquanto amigos. As memórias que retenho ultrapassam, naturalmente, o mero entusiasmo musical. Estes são amigos que me cresceram, e eles comigo. O facto de fazerem parte de uma banda era apenas mais um lado do que ainda são. E quantas vezes objeto de troça.
Por isso, terá o leitor de compreender que a isenção que exista no que vai ler está viciada pelo coração. E que o rigor que aplico é o rigor dos apaixonados, pelo que a escrita na primeira pessoa é inevitável. Por outro lado, o leitor depressa perceberá que esta é uma banda suportada por afetos. E para os afetos não existe livro de estilo. Dito isto, posso começar a contar a história.
A Sétima nunca acabou
Pouco passa das dez horas da noite de uma quinta-feira, altura em que o complexo de armazéns existente mesmo ao lado da RTP, na Avenida Marechal Gomes da Costa, deveria estar mergulhado num silêncio quase assustador. Mas mal ultrapassamos as ruas labirínticas que levam ao edifício do Armazém 42 tudo parece mudar: há luzes acesas, das janelas vê-se gente a passar, a conversar, a falar ao telemóvel. E ouve-se uma vozearia confusa, entre risos, gritos, acusações e sons caóticos de instrumentos musicais. Não havia dúvida: a Sétima Legião estava ali a ensaiar.
Para alguém que não é muito dado a nostalgias, como é o meu caso, a audição daqueles sons tão familiares arrepiou-me. Uma vez dentro do estúdio, o sentimento aumentou. Aquele misto de festa e reencontro que, com milagre e talento, é traduzido em música, devolveu-me de imediato o segredo da Sétima Legião: a amizade que une os membros da banda, e que faz com que este tenha sido sempre um grupo que nunca acabou. Francisco Menezes, o letrista da banda, confirma-o, durante uma das pausas do ensaio: “É um privilégio, tantos anos depois, participar nesta encantadora desorganização da Sétima Legião. É mais uma prova de que o grupo nunca acabou: primeiro, porque nunca foi anunciado formalmente o seu fim; e, além disso, porque as nossas coisas continuaram, com o tempo, sob diversas formas: na música de cada um, na do Rodrigo, na do Pedro, nos Cindy Kat…” Mas não haveria o perigo de esta reunião ser confundida com pura nostalgia? “Nem pensar”, discorda o Francisco. “Todos tivemos sempre vontade de tocar juntos e isso foi acontecendo, mesmo depois de editado o Sexto Sentido [último álbum de originais do grupo, de 1999]. Agora, surgiu esta coisa dos 30 anos e, depois, o Rodrigo foi o catalisador do costume e juntou toda a gente.” Esta será uma “acusação” comum a todos os membros, a que o visado irá responder com surpresa, como veremos.
Mas, agora, assista-se um pouco ao ensaio. Numa sala pequena, músicos e amigos acomodam-se como podem. Ricardo Camacho nas teclas, Nuno Cruz na bateria, Rodrigo Leão no baixo, Pedro Oliveira na voz e guitarra, Gabriel Gomes no acordeão, Paulo Marinho à porta, Paulo Abelho por todo o lado. Junte-se a isto os amigos que se acotovelam para ver os músicos e ficarão com uma pequena ideia do que ali se passa. O tema que se preparam para tocar é Partida, um instrumental que surgiu no lado B do single de estreia (Glória/Partida, 1983). A versão original é despojada, com a gaita de foles de Marinho a fazer a melodia (que partiu de uma linha de baixo de Rodrigo Leão) e a marcar o som melancólico e, ao mesmo tempo, ligado a um Portugal espiritual e quimérico, que a Sétima inaugurou. Este arranjo é diferente, com todos os músicos a colaborarem. No entanto, aos primeiros acordes, esta Partida é real para quem se lembra de tudo. E é uma boa altura para sobrevoar o passado.
Todos de gabardinas
Quem queira encontrar uma biografia oficial da Sétima Legião não terá problemas de maior. Uma pesquisa simples e os números e datas aparecem. Mas, para o que aqui nos interessa, não é isso que conta. O que vem à memoria é uma Lisboa de inícios dos anos 80, um período em que tudo parecia estar por fazer e as possibilidades eram normalmente concretizadas. A geografia dos que partilhavam essa urgência de mostrar o novo estava bem definida: o Bairro Alto era um semideserto onde as tascas serviam de ponto de encontro e conspiração de todo o tipo de vontades. Aqueles que viriam a ser a Sétima Legião não eram exceção. E o numeroso grupo de amigos divertia-se em lugares que já não existem, como o Bolívar, onde existia um “privado” na despensa da tasca, feito de grades de cerveja, e uma criança filha do dono que nos mostrava orgulhosamente cidades inteiras feitas de fósforos. Havia a alegria da partilha de um disco que vinha de longe, de cassetes BASF C90, nas quais alguém tinha gravado um grupo obscuro de Manchester. Havia um culto da tristeza, que ninguém levava muito a sério mas que as gabardinas escuras ostentavam. Havia risos, discussões, jukeboxes com medleys do Duo Ouro Negro, amêndoas amargas e raríssimos jantares no Capuchinho, em que uma refeição custava cerca de 60 escudos (30 cêntimos) e o vinho da casa seria hoje classificado como arma branca.
Havia isso. E houve a coragem de três amigos da Avenida de Roma se terem inscrito num dos muitos concursos de “música moderna” que, nessa altura, abundavam. Depois de vários anos a ensaiarem com violas e baldes de Skip (ainda está por escrever a influência que estes baldes de detergente tiveram no rock nacional), decidiram arriscar-se. Lembra o Pedro Oliveira: “Era um miúdo, e estava tão nervoso que não via nada. Só me lembro de ver o Rui Pregal da Cunha, muito bem vestido e pensar ‘meu Deus, vou tocar no mesmo sítio que os Heróis do Mar!’” Ficaram em segundo lugar. Mas causaram impressão. Luís Filipe Barros, na altura um dos mais influentes radialistas, disse a um Ricardo Camacho que estava a iniciar o que seria a editora Fundação Atlântica: “Ouvi o grupo de que andas à procura. Tocam mal como o caraças mas soam bem como tudo.” Pouco depois, a editora de Ayres Magalhães, Camacho e Miguel Esteves Cardoso contratava-os e dali sairia o single Glória e, mais tarde, o disco de estreia A Um Deus Desconhecido (1984).
Com discos editados, a crítica a exaltá-los e a rádio a ignorá-los, surgiu a obrigação de dar concertos. E estes aconteceram, em lugares mais do que improváveis. Lembro-me de um, particularmente agreste, num bar duvidoso, em Cacilhas: a banda subiu ao palco mais do que alegre, perante um público que não os conhecia nem queria conhecer. Todos de gabardinas. O vocalista, com as letras completamente perdidas, decide tocar de costas para a escassa assistência, numa língua que misturava um aparente dialeto eslavo com português. Foi, naturalmente, catastrófico. Pedro Oliveira: “Nós estávamo-nos nas tintas para as palmas! A primeira vez que nos bateram palmas foi no Porto e eu pensei que não eram para nós!” Com o tempo, tudo mudaria.
‘Cada vez melhor’
De regresso aos ensaios, e ao século XXI, Camacho toca os acordes iniciais de uma das canções que já é um standard do cancioneiro português: Sete Mares. Quem assiste reconhece-a, de imediato, e a emoção é geral. Há quem dance, há quem cante, há quem se abrace. Trinta anos não beliscam um milímetro de um hino. Talvez seja por isso que tudo faz sentido, mas vale a pena convocar Rodrigo Leão: “Dizem que fui eu que juntei toda a gente… Não é verdade. Nos últimos seis meses, sempre dissemos que queríamos voltar a tocar em público. Esta foi uma boa oportunidade, que coincidiu com as disponibilidades de todos nós.” Pergunto-lhe se alguma vez deixou de ser da Sétima Legião: “Nunca! Basta ouvir o Montanha Mágica [disco de 2011, de Rodrigo Leão] e percebe-se bem que está lá muito da Sétima.” Mas mesmo assim… Trinta anos é muito tempo na vida de uma banda, muitos egos, muitas coisas para gerir. E, no entanto, para quem assiste a este ensaio é como se fosse a primeira vez. Resposta óbvia: “Seria impossível tocarmos desta forma estes anos todos, se não fossemos amigos.”
É isso, então. A amizade. Os afetos, como no principio avisei. Esse é o segredo que faz com que um grupo de amigos toque “cada vez melhor” (Pedro Oliveira) e se encontre com a cumplicidade e as tensões do costume. Que tenha atravessado incólume o auge da fama e do sucesso comercial (com os discos Mar de Outubro, de 1987, e De Um Tempo Ausente, 1989), deixando espaço para talentos e vocações próprias.
Os concertos desta celebração servirão para lembrar – ou apresentar – o legado que este grupo de amigos deixou e que muitas bandas atuais reivindicaram. Os arranjos vão ser os mesmos, os músicos os mesmos, o prazer de tocar o mesmo. E enquanto deixo o local de ensaios, de coração cheio, ainda oiço, no ar, os acordes de Glória, a última canção a ser tocada nessa noite. “A morte não te há de matar”, começa a letra. No que diz respeito à amizade, tenho a mais bela certeza.
DISCOS – De um tempo presente
Os palcos não serão a única maneira de celebrar os 30 anos da Sétima Legião: toda a discografia será reeditada, remasterizada e terá um novo arranjo gráfico, supervisionado pelos próprios. Além disso, sairá a primeira coletânea, com temas escolhidos por elementos do grupo. Mais: essa compilação (Memória) reúne em DVD o mítico concerto da banda, em 1990, no Pavilhão Carlos Lopes, e todos os seus videoclips oficiais.